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quarta-feira, maio 12, 2004

O Elogio da Cassette 

Confesso que até aos 14 anos grande parte da música que ouvia era dos discos dos meus pais (num gira-discos que eles tinham lá em casa) e das centenas de cassetes que iam gravando e trocando com os amigos e que tinham os temas que eles mais gostavam em diferentes épocas das suas vidas: as de clássicos da música angolana, as de fado, as românticas para namorar, as cassetes para festas, etc. Outras eram gravadas pelo nosso vizinho do 1º andar, um coxo que eu detestava porque passava o tempo à janela, em tronco nú, a cuspir para a rua e a ouvir música com o volume no máximo. Nos seus tempos livres ocupava-se a gravar cassetes que oferecia aos vizinhos (é obvio que era uma estratégia para evitar que se queixassem da música alta! ), mas os seus gostos eram tão diversificados, que as cassetes tanto podiam ser um best of do Elvis Presley, uma compilação de música clássica ou de instrumentais de western ou até mesmo de folclore ribatejano. Enfim, o leque de escolhas era grande.

Mesmo assim, insatisfeita, decidi começar a fazer as minhas próprias cassetes com as coisas mais incríveis que possam imaginar. Tudo o que na altura era “fora” eu gravava e depois apontava os nomes e fazia capas com desenhos ou recortes. Lembro-me da minha mãe me encontrar na sala colada à rádio às 3h da manhã e perguntar: “o quê que estás aqui a fazer a esta hora?” e eu respondi-lhe: “estou a gravar umas músicas da rádio. Ela surpreendida disse: “mas não podes fazer isso durante o dia?!” e a minha resposta foi: “É que durante o dia não se ouvem estas músicas em nenhum programa de rádio!”.

Enfim, lembrei-me disto quando andava a reunir informação para escrever o texto que vos apresento a seguir e que é um resumo da história daquilo que nós conhecemos por “mixtape” e que teve (e ainda tem!) um papel fundamental na projecção do hip hop e na carreira de muitos mcs, djs e produtores.

As “party-tapes”: no tempo em que não havia discos de rap
As “mixtapes” andam por ai desde meados dos anos 70, ou seja, há tanto tempo quanto o hip hop. No entanto, o seu conceito tem vindo a metamorfosear-se ao longo do tempo e a própria indústria da música já se apoderou dele para fins comerciais.

No ínicio, chamavam-se “party-tapes” e surgiram para colmatar uma simples necessidade: a de alimentar as ruas numa época em que a única forma de se poder ouvir hip hop era assistir às performances dos djs, nas discotecas ou na rua. A cassete era de facto a única forma que os artístas tinham ao seu alcance para gravar as suas músicas e de as fazer chegar ao público.

Naquela altura, as “party tapes” ouviam-se nos carros, nas casas, em festas particulares, em todo o lado. Grandmaster Flash and the Furious Five, Afrika Bambaataa and the Soulsonic Force, Kool Herc and the Herculoids, Dj Breakout, os Funky Four e Dj Hollywood foram os principais protagonistas desta ideia e se o alcance da sua fama se deve, por um lado, ao seu grande talento, por outro lado, também se deve ao facto de terem tido a iniciativa de gravar em cassetes os seus sets de djing.

A estrutura das “party-tapes” era mais aberta e não tão confinada a um estilo ou som em particular. Death Mix Live, uma cassete de Afrika Bambaataa de 1983 editada pela Paul Winley Records (e posteriormente regravada em 2001 como Death Mix pela Landspeed Records), continha um leque de selecções tão diversas como o funky “Get up” de Vernon Burch, temas mais new wave dos Yellow Magic Orquestra, entre outros. Grandmaster Flash em “Adventures of Grandmaster Flash on the wheel of Steel” fez colagens incríveis com músicas da Blondie, Chic, Queen, Spoonie Gee, entre outros.

O mercado
As “party-tapes” tinham um mercado muito vasto e vendiam tanto como um álbum normal vende nos dias de hoje. Os artístas compravam cassetes de 60 ou 90 minutos, gravavam-nas, faziam cópias e depois iam de bairro em bairro para as divulgarem e venderem de mão em mão.

Naquela altura, as cassetes também corriam o risco de serem pirateadas e por isso inventavam-se estratégias de mercado para contornar este tipo de obstáculos. Alguns djs, como Grandmaster Flash, faziam cassetes personalizadas para vender a quem tinha mais dinheiro, desde dealers aos chulos das vizinhanças, cobrando-lhes 1 dolar por minuto para fazer uma cassete de 30 a 120 minutos. Estas cassettes eram basicamente compilações dos melhores hits do momento com shout outs do dj a dizer o nome do seu comprador (imaginem qual seria a sensação, na altura, de entrarem no carro e tocarem uma cassete para a alguém que pretendessem conquistar e em que se ouvia o vosso nome dito pelo dj! Estão a ver o filme!)

Mas havia outras estratégias de venda, por exemplo, os motoristas de taxi eram incitados a passar as melhores “party-tapes” para ganharem mais clientes num serviço que se chamava “hold call”.

(Tenho que ir embora. Amanhã há mais! bye, bye!)



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